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quinta-feira, 30 de junho de 2011

O desenvolvimento motor dos atletas nas categorias de base e a especialização precoce

Texto publicado no site: http://www.cidadedofutebol.com.br/

Quando pensamos na formação dos atletas de futebol, um aspecto primordial para os profissionais da área é o conhecimento sobre desenvolvimento motor. Esta importância lhe é atribuída devido influência exercida pelos conteúdos aplicados em aula, que podem comprometer o desenvolvimento anatômico e/ou fisiológico, como na construção do acerto motor pelas crianças e adolescentes.

Neste contexto, buscando em Gallahue e Ozmum (2005) um referencial de desenvolvimento motor, no qual está dividido em fases e estágios, e demonstrado por meio da ampulheta de desenvolvimento, cujo o conceito se fundamenta no que denominam do “recheio da vida”, que seria a “areia” entrando na ampulheta por dois recipientes que influenciam no desenvolvimento: o hereditário e o ambiental. O recipiente hereditário (genótipo) possui uma quantidade fixa de areia. No entanto, o recipiente ambiental (fenótipo) não é limitado previamente, ou seja, a areia entrará de acordo com os estímulos encontrados no meio onde vive.

É oportuno ressaltar que durante o período de formação em locais destinados a prática do futebol, essencialmente estará presente neste recipiente ambiental, a figura do técnico ou do professor de educação física.

Figura 2- Modelo de Gallahue do desenvolvimento motor durante o ciclo da vida

Fonte – GALLAHUE E OZMUM, 2005 p.65

Concordando com o modelo de desenvolvimento motor descrito acima, Tani et al. (1998) relatam a necessidade maturacional do organismo para execução de algumas atividades, ou seja, uma criança jamais correrá antes de andar. No entanto, algumas crianças começam a andar primeiro que outras, tendo elas a mesma faixa etária. Neste cenário, está presente o princípio da individualidade biológica, assim como os estímulos presentes no ambiente onde vive, os dois aspectos influenciando no desenvolvimento.

Ao relacionar os conceitos anteriormente expressos a respeito do tema desenvolvimento motor ao ensino do esporte, podemos refletir em relação aos conteúdos aplicados (fator ambiental) em escolinhas e clubes de futebol, abordando uma questão importante no contexto da formação dos atletas de futebol, que é a chamada especialização precoce. Para isso, vamos ater-nos às duas últimas fases de desenvolvimento, pois é a faixa etária na qual, normalmente, se inicia a aprendizagem esportiva, assim como eleva-se a freqüência da prática do esporte.

Entende-se por especialização esportiva o período em que se adotam programas e métodos de treinamentos especializados. É quando a criança pratica sistematicamente, principalmente, um único esporte, tendo como objetivo participar de competições e aprimorar a técnica dos fundamentos, assim como desenvolver conhecimentos táticos e as capacidades físicas exigidas para aquela modalidade esportiva (SANTANA, 2001).

Paes (1996), aponta que devido a cobrança excessiva por resultados positivos em competições, nas categorias de base, os jovens são avaliados por suas capacidades físicas, pelo seu desenvolvimento diferenciado comparado as outras crianças ou jovens, levando-os a exercer uma determinada função ou posição específica, a qual, conseqüentemente, implicará no treinamento limitado das especificidades técnicas daquela posição. Este procedimento terá resultados imediatos para a equipe. Por outro lado, considerando a formação motora do atleta e a sua mudança de categoria, o mesmo sucesso dificilmente será alcançado, como coloca o próprio autor:

[...] terá uma serie de dificuldades, quase que insuperáveis para exercer a função que lhe foi ensinada no primeiro período de aprendizagem, pois na atual categoria, ele dependerá de outros elementos fundamentais que não lhes foram oferecidos no devido estágio. (PAES, 1996, p.56).

Dentro deste contexto, as crianças são submetidas a exercícios extremamente desgastantes, cópias fidedignas do treinamento dos adultos, onde realizam inúmeras repetições do mesmo movimento fora do contexto de jogo, com o objetivo de aprimorar ou refinar as técnicas usualmente utilizadas em determinadas posições, em fases onde o primordial não é a execução perfeita da técnica, e sim, a experimentação e aquisição de experiências motoras diversas que auxilie na construção de um repertório de respostas motrizes rico em possibilidades frente aos desafios do esporte.

Segundo Oliveira (1998, p.34):

Mesmo tratando-se de especializar, nada deve ser antecipado: a precocidade pode cercear a variabilidade de movimentos e prejudicar o desenvolvimento motor, comprometendo o futuro tanto pessoal quanto esportivo do individuo. Alias, a precocidade é um fator que, comumente, encontramos no esporte e revela um triste quadro de desconhecimento do que significa desenvolvimento motor e suas implicações sobre a vida.

A especialização é inevitável no esporte de alto nível, entretanto a aquisição das habilidades motoras especiais tem que ocorrer no tempo certo. O trabalho deve ser pautado em uma estrutura de treinamento adequado ao desenvolvimento individual, proporcionando uma formação básica múltipla, garantindo a aquisição de movimentos coordenativos gerais (WEINECK, 2000).

Sabe-se que necessariamente ao longo do processo de formação do atleta a especialização irá acontecer, mas quando acontece precocemente, estamos cerceando o direito da criança desenvolver padrões de movimentos gerais, básicos ou essenciais para o seu desenvolvimento motor. Além disso, carregam as implicações de serem considerados “mini adultos”, trazendo consigo todos os anseios, as pressões, as cobranças, a preocupação com o rendimento, em fases que o chamariz deve ser o brincar, o aprender, o prazer em praticar o esporte.

Nesse sentido, Scaglia (2003, p.61) indaga que “o esporte deve permitir ao iniciante a obtenção de uma cultural corporal, proporcionando ao jovem uma aprendizagem motora adequada”, culminando na fase pré-escolar e escolar num processo ensino-aprendizagem embasado em atividades e esportes diversificados, privilegiando a formação motora geral, para numa fase posterior iniciar o aprimoramento da técnica.

Tal pensamento vai ao encontro do raciocínio de Freire (2006), que enfatiza a necessidade de um ambiente rico em brincadeiras e sem sistematizações rígidas, transformando o esporte em um momento prazeroso e motivador, para que estas experiências favoreçam as construções motoras, sociais e cognitivas do praticante. Sendo assim, o autor apresenta a “pedagogia da rua”, proposta que visa a valorização da cultura popular relacionada ao futebol. As brincadeiras e jogos comumente praticados por crianças e adolescentes nas ruas, nos parques, nas escolas, devem ser preservados, isto é, além de respeitar e atribuir a devida importância aos conhecimentos prévios a respeito do esporte, amplia-se as possibilidades de aprendizagem, assim como a formação primordial de uma base motora consistente e preparada para futuros treinamentos mais específicos.

A partir deste estudo, percebemos a relevância do tema desenvolvimento motor e a enorme responsabilidade de professores de educação física e técnicos de futebol diretamente envolvidos nas categorias de base, pois lhe é concebido o poder de direcionar e influenciar o desenvolvimento dessas crianças e adolescentes praticantes do esporte.


Referências Bibliográficas

FREIRE, JOÃO BATISTA. Pedagogia do futebol. 2.ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

GALLAHUE, DAVID L; OZMUN, JOHN C. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. 3.ed. São Paulo: Phorte, 2005.

TANI, GO et al. Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU, 1988.

OLIVEIRA, MARCELO de. Desporto de base: a importância da escola de esportes. São Paulo: Ícone, 1998.

PAES, ROBERTO RODRIGUES. Aprendizagem e competição precoce: o caso do basquetebol. 2.ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.

SANTANA. WILTON C. Futsal: metodologia da participação. Londrina: Lido, 2001.

SCAGLIA, A. J. Escola de futebol: uma prática pedagógica. In: NISTA-PICCOLO, VILMA (Org.). Pedagogia dos esportes. 3.ed. Campinas: Papirus, 2003.

WEINECK, JÜRGEN. Biologia do esporte. São Paulo: Manole, 2000.