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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A formação do atleta cidadão tem que estar inserida no futebol

Texto publicado no site: http://www.cidadedofutebol.com.br/

O atleta de futebol é um cidadão como outro qualquer. Quanto a isso ninguém deve ter dúvida, pelo menos enquanto se fala. Mas, quando analisamos o trabalho nos campos de futebol, geralmente, ainda não é isso que constatamos.

O primeiro país a utilizar o esporte como meio de educação foi a Inglaterra, que, por meio da Educação Física, percebeu o desenvolvimento de algumas capacidades como: liderança, controle de si próprio, lealdade, cooperação, autodisciplina, iniciativa, tenacidade e espírito esportivo (SCAGLIA, 2003).

Com a edição da Carta Internacional de Educação Física e Esportes, em 1979, houve a criação de um novo conceito de esportes, apontando três áreas de manifestações: esporte-performance, que tem como objetivo o alto rendimento; o esporte-participação, com objetivos de promover bem estar, recreação e esporte-lazer e o esporte-educação, que almeja a formação do atleta, norteados por princípios sócio-educativos, que preparem seus praticantes para a cidadania (TUBINO, 1992 apud SCAGLIA, 2003).

Nesse sentido, Montagner (1993 apud SCAGLIA, 2003) diz que se pode fazer o que quiser com o esporte, pedagógico, educativo, de performance ou mesmo alienador. Mas, o que verificamos nos clubes e nas escolinhas de esportes não são as três manifestações acima citadas e nem o esporte performance educativo para a vida em sociedade, mas apenas o esporte de alto rendimento, geralmente trabalhado de forma alienadora, um erro de planejamento dos profissionais quanto ao objetivo de seu trabalho, proporcionando aos atletas debilidade em sua formação enquanto cidadãos.

O esporte, em qualquer local em que esteja sendo desenvolvido trabalha com seres humanos e por isso, mesmo tendo como um dos objetivos o alto rendimento, não poderia deixar de promover também o bem estar e a formação educativa do atleta. Concordando com este papel, Scaglia (2003, p.59) menciona que

[...] é preciso que técnicos e professores não se deixem cair no papel de meros animadores, que praticantes e espectadores não se sintam apenas fregueses e consumidores, que dirigentes não vejam no desporto apenas uma mercadoria que se compra ou vende a qualquer preço.

Por conta dessas falhas no trabalho com atletas, percebemos que há uma necessidade de formação dos profissionais que atuam com o ensino do futebol, mas não é apenas uma questão relacionada à área da pedagogia (ensino) do esporte, mas também ao que significa formação de um cidadão.

Por meio do futebol é possível contribuir com a formação integral (cognitiva, motora, afetiva e social) de qualquer ser humano. Este processo depende da atuação efetiva do profissional diretamente vinculado a esse público, desde sua formação enquanto indivíduo, conhecedor de seus direitos e deveres dentro e fora desse ambiente, geralmente o campo de futebol, assim como da sua formação para trabalhar como professor ou técnico, e da estruturação e aplicação do seu trabalho, com objetivos, conteúdos, metodologias, métodos e avaliações bem determinados e coerentes para a formação de indivíduos autônomos.

Em concordância com o este tema os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 2000a e b) indicam que a educação esportiva deve ser uma forma de enriquecimento na construção ética pessoal e grupal, quando se expõem as dificuldades vigentes dos alunos que precisam de ajuda dentro e fora do esporte, uma vez que na sociedade atual são cobrados não apenas na sua competência física corporal, como também no seu desenvolvimento como cidadão. Os PCNs (2000a) ainda pontuam que quando percebemos que a importância do esporte na sociedade brasileira, reflete criticamente sobre todos os valores e atitudes nele presentes, é imperativa a conscientização ética dos envolvidos.

Uma proposta de ensino que vise o esporte de alto rendimento sem tirar a possibilidade deste promover o bem estar dos atletas, assim como contribuir para sua formação cidadã, isto é, ser também educativo, só pode estar pautada numa prática pedagógica que desenvolva os valores éticos de regras, jogos, jogadores e clube, onde se visa o pensar, o respeito e a prática educativa, visando à aquisição de hábitos saudáveis e a conscientização dos aspectos culturais. Ou seja, possibilitando o desenvolvimento da autonomia do atleta como ser humano e não apenas como jogador, não apenas em campo (SCAGLIA, 2003). Entretanto, uma proposta de ensino que vise este tipo de formação precisa estar pautada numa proposta educativa (BENTO, 1991 apud SCAGLIA, 2003):

- proporcionando obstáculos, exigências e desafios a serem experimentados;

- socializando crianças e jovens e adultos num modelo de pensamento e vida;

- e que ensine que o sucesso não é um objetivo, mas uma conseqüência, um meio para almejar algo futuro.

Morin (2004), elenca sete saberes necessários à educação, a qual deve ser parte integrante do trabalho de qualquer professor ou técnico de futebol, principalmente daqueles que trabalham nas categorias de base, a principal fase de desenvolvimento dos valores dos atletas como seres humanos. São eles:

- as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão;

- os princípios do conhecimento pertinente;

- ensinar a condição humana;

- ensinar a identidade terrena;

- enfrentar as incertezas;

- ensinar a compreensão;

- a ética do gênero humano.

Para este autor estes são eixos que abrem caminhos a todos os que pensam e fazem educação e que estão preocupados com o futuro das crianças e adolescentes. Da mesma forma, o conhecimento do conhecimento deve aparecer como necessidade primária, que serve de preparação para enfrentar os riscos permanentes de erro e de ilusão, às vezes nem tanto dos atletas, mas de seus técnicos, dos quais muitos não atribuem devida atenção à necessidade de constante aprendizagem ou reavaliação de seu trabalho.

Talvez, o eixo “ensinar a condição humana” seja um dos menos trabalhado pelos profissionais da área do futebol, quando o resultado dos campeonatos e a busca por talentos é prioridade nesse processo. Para dificultar o entendimento do que seja condição humana por parte das crianças e adolescentes, atualmente encontramos ao lado dos gramados ou das quadras, pais frustrados querendo que seus filhos alcancem o sucesso profissional a um alto custo financeiro (aos pais), o qual desencadeia um custo afetivo e social aos filhos que nem sempre esses últimos estariam dispostos a pagar se não fosse o medo de decepcionar aqueles que os amam. Às vezes, não é uma questão de decepção afetiva, mas financeira, quando são esses atletas que sustentam suas famílias com o salário ou ajuda de custo que recebem dos clubes. Por fim, ainda temos a realidade de boa parte dos atletas que ao encerarem suas carreiras não sabem o que fazer dali em diante, se é que têm condições financeira ou profissional de seguirem uma carreira, pois normalmente eles não são preparados para parar de jogar futebol e “continuarem” a ter uma vida digna.

Por essas ou por todas as outras situações em que os atletas se encontram é fundamental que tenham uma formação sólida que os possibilitem um preparo para a vida em sociedade, dentro e fora de campo.

Em contraponto a essa necessidade, parece que muitos clubes e escolas de esportes não estão ensinando seus atletas a viver em sociedade, talvez não da melhor forma que poderiam, o que, “a trancos e barrancos”, a rua acaba por fazer. Na rua a molecada aprende o esporte esporte-performance, ao objetivarem alcançar seu melhor rendimento; o esporte-participação, alcançando bem estar e recreação e o esporte-educação, pois os princípios de cidadania são essenciais para quem precisa “negociar” sua participação na equipe da rua. Contudo, além de nem todos terem acesso à rua, podemos dizer que a aprendizagem da rua também é tradicional. Como cita Freire (2003, p. 3) “A rua tem a pedagogia da liberdade, da criatividade, do desafio e até da crueldade”. Devemos ainda lembrar que a pedagogia da rua trás consigo algumas deficiências, as quais não se devem reproduzir nas instituições de ensino durante o processo de ensino do futebol.

Ensinar futebol não é um trabalho fácil. Aquele que se propõe a ensiná-lo precisa ter claro qual é sua proposta de ensino, pois os pais e a sociedade têm o direito de saber o que este profissional objetiva com seus filhos; quais os valores que estão sendo ensinados ao atleta que está e continuará vivendo em sociedade, pois este não é apenas um atleta de futebol, mas um filho, irmão, pai, futuro treinador ou atuante em qualquer outra profissão. No mais tocante, este atleta de hoje pode ser o treinador do “nosso” filho amanhã. Aí talvez seja mais fácil entendermos que aquilo que gostaríamos que “nosso” filho aprendesse numa escola de futebol seja aquilo que este atleta precise aprender hoje. É, portanto, necessário reconhecer a importância da preparação do atleta cidadão hoje, para que amanhã possamos continuar acreditando na educação também pelo esporte.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

FREIRE, JOÃO BATISTA. Pedagogia do futebol. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.

MORIN, EDGAR. Sete saberes para educação do futuro. 9ª Ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2004.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: apresentação dos temas transversais: ética. Secretaria de Educação Fundamental. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000a.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: Educação Física. Secretaria de Educação Fundamental. . 2ª. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000b.

SCAGLIA, A. J. Escola de futebol: uma prática pedagógica. In: NISTA-PICCOLO, VILMA (Org.). Pedagogia dos esportes. 3 Ed. Campinas: Papirus, 2003.

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